Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2438/11.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/15/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL POR MAU FUNCIONAMENTO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS;
PRESCRIÇÃO.
Sumário:I. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público prescreve nos termos do artigo 498.º do CC.

II. O artigo 5.º do RRCEE, aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12, acolhe remissivamente a disciplina estabelecida no artigo 498.º do CC sobre a prescrição, preceito que na sistemática do Código Civil se encontra inserido no regime da “Responsabilidade civil por factos ilícitos”, previsto no artigo 483.º e segs. do CC.

III. O artigo 498.º, n.º 1 do CC estabelece o prazo de prescrição – 3 anos –, assim como o dies a quo relevante que marca o início da contagem do prazo, regulando, por isso, quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

IV. Tendo sido proferida sentença em que no seu final se determinou a extração de certidão de todo o processado e a sua remessa ao DIAP com base nas declarações prestadas em audiência pelo arguido, mas tendo tal sentença sido revogada e anulada a audiência pelo TRL, foram anulados todos os atos processuais a partir daquele primitivo momento.

V. Tal acarreta que tudo quanto se tenha passado na audiência de julgamento foi dado sem efeito, incluindo as declarações do arguido prestadas nessa ocasião.

VI. O que implica que a decisão de extração de certidão e a sua remessa, proferida com base nas declarações produzidas pelo arguido na audiência, tenham perdido a sua relevância, porque quer a audiência em que as declarações do arguido foram prestadas, quer a sentença que ordena a extração de certidão e a sua remessa ao DIAP, deixaram de existir no plano do direito, não produzindo quaisquer efeitos.

VII. Desde sempre o Autor teve conhecimento de que na sentença proferida fora ordenada a extração de certidão de todo o processado com base nas suas declarações prestadas durante a audiência, do mesmo modo que sabe da anulação dos atos processuais, além de que, sempre pôde oportunamente se inteirar sobre o andamento dos processos nas respetivas secretarias judiciais e, sendo caso disso, reagir prontamente pela inércia ou delonga processual.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A........, devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 02/12/2014, que no âmbito da ação administrativa instaurada contra o Estado português, julgou procedente a exceção de prescrição, absolvendo o Réu do pedido, de condenação ao pagamento da indemnização, no valor de € 88.897,02, acrescida de juros, por mau funcionamento dos serviços de justiça.


*

Formula o Autor, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1.ª

A decisão de emissão de certidão constante da sentença de 26/04/2006, consome todas as queixas/ participações feitas anteriormente àquelas que foram feitas na própria audiência de julgamento.

2.ª

Esta decisão não foi revogada e encontra-se ainda em vigor.

3.ª

Para efeitos prescricionais, o direito de acção não só ainda actualmente está em prazo, como se iniciou em 10/08/2011 com a informação da Procuradoria Geral Distrital.


Além de que, pela aplicação conjugada dos artºs 306º nº l, 323º e 498º do CC, e art° 277º do CPP, à mesma conclusão se chega, não se verificando qualquer prescrição.”.

*

O Réu, Estado português, ora Recorrido, contra-alegou o recurso apresentado pela Ré, nele tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A sentença recorrida fez uma correcta apreciação da prova e da respetiva subsunção ao direito.

2. Verificou-se a prescrição do direito à indemnização peticionado pelo A., ora Recorrente, porquanto teve conhecimento do direito que lhe assistia desde sempre.

3. Bem andou a sentença em recurso, ao absolver o R do pedido.”.

Pede que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão sob recurso.


*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada pelo Recorrente resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito quanto à questão da procedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, pela aplicação conjugada dos artigos 306.º, n.º 1, 323.º e 498.º, n.º 1, do CC e artigo 277.º do CPP.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“A) A........ (doravante apenas A) é advogado com o número de cédula profissional ........;

B) No âmbito do procº nº 9555/00.9TDLSB foi o A constituído arguido (fls 10, dos autos);

C) Com data de carimbo de 2 de Fevereiro de 2001 e remetido ao processo nº 9555/00.9TDLSB – ainda em fase de inquérito, o A participou criminalmente do juiz de Direito J........, imputando-lhe um crime de violação de segredo, p. e p. pelo artº 195º do CP, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais (fls 12 a 14, dos autos);

D) Conforme consta do despacho de encerramento do inquérito de 19 de Dezembro de 2002, foi desentranhado o requerimento referido em C) e remetido ao TRL para os fins tidos por convenientes acompanhada de certidão integral dos autos de inquérito (fls 16 a 17, dos autos);

E) O A foi acusado no âmbito do processo-crime referido em B) e requereu a abertura de instrução (fls 15, dos autos);

F) Com base na certidão referida em D) foi instaurado no Supremo Tribunal de Justiça o inqº nº 3/2003, no qual foi proferido despacho de arquivamento nos termos do artº 277º do CPP, junta como fls 422 a 428, dos autos, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais e, onde consta, nomeadamente o seguinte:

(…).

1 – O presente inquérito foi despelotado por força de certidão extraída de processo de idêntica natureza que corria temos, sob o nº 9555/00.9TDLSB, no DIAP, de Lisboa, no decurso do qual foi formulada participação pelo denunciada, o advogado A........, contra o ali denunciante, o juiz de direito J........ (ao tempo juiz no 1º juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa e hoje Desembargador no Tribunal de Lisboa), pela autoria de um crime de violação de segredo, previsto e punido no artigo 195º do Código Penal (fls 319 – 320).

(…).

9 – Face ao exposto, forçosa a conclusão de que a indiciação lograda é suficientemente elucidativa no sentido de que a conduta participada e imputada ao magistrado judicial denunciado (…) carece de dignidade penal, pelo que determino o arquivamento do presente inquérito.

G) Pelo ofício com data de 5 de Maio de 2003 o A foi notificado do despacho de arquivamento tendo-o recebido a 6 de Maio conforme data e assinatura no aviso de recepção (fls 215 a 217, dos autos);

H) Em 28 de Janeiro de 2005 o A produziu em acta o requerimento de fls 276 a 280, dos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido e, onde consta, nomeadamente o seguinte:

(…).

Como se sabe e se alegou na contestação (v.g. pontos 4, 5, 6 e 16) foi elaborado para realizar interesses legítimos do ora arguido, sendo que para se aquilatar da aplicação dos artº 31º nº 2 al b) e c), 34º e 36º do CP, bem como eventualmente, dos artº 71º, 72º e 74º do CP, necessário se torna apurar-se qual a sentença do Tribunal de Família e Menores de Lisboa (procº 9233/94 – Apenso F), posto que a não procedência da mesma implica necessária e logicamente que o ora participante prejudicou o ora arguido (bem como o menor, etc) e, logo assistiria razão ao arguido para a sua actuação, existindo as referidas causas de exclusão da ilicitude e da culpa e, eventualmente, necessário se torna para a determinação e atenuação da pena.

2 – Ora, tal sentença ainda não se verificou, mas, porque a audiência de discussão e julgamento já começou e se encontra a finalizar, com eventual última sessão marcada para o fim de Fevereiro do corrente ano, seria de todo o bom censo e lógica jurídica que os presentes autos aguardassem pela mesma, pois só assim se poderá julgar em consciência e abalizar a conduta do ora arguido.

3– Assim sendo, requer-se a suspensão do processo, nos termos do artº 7º nº 2, 3 e 4 do CPP.

(…).

I) Sobre o requerimento referido no ponto anterior recaiu despacho de indeferimento quanto ao pedido de suspensão do processo-crime e diferido no que respeita aos documentos, no mesmo acto de 28 de Janeiro de 2005 (fls 278, dos autos);

J) Com data de carimbo de 1 de Fevereiro de 2005 o A enviou ao processo nº 9555/00.9TDLSB, junto como fls 27 a 31, dos autos que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e, onde consta, nomeadamente:

(…):

9 – Ora, sabendo-se que a origem dos presentes autos se baseia em documento que imputa ao ora participante actuação parcial e deficiente tecnicamente, com repercussões disciplinares, fundamentado em factos reais e concretos (embora se desconheçam as verdadeiras razões para tal actuação), o depoimento do ora participante na audiência, com afirmações como as supra referidas, mais não visa do que tentar mistificar e iludir a actuação do ora arguido, por forma, a que este tribunal se convença de que tal actuação foi inconsequente, sem qualquer fundamento e, logo, se verifique o facto típico e a não exclusão da ilicitude e da culpa.

Contudo, tal não é verdade, como aliás, demonstrou nos autos e na audiência, e o depoimento do ora participante só veio confirmar, pois acaso é curial e honesto um juiz – desembargador prestar falsas declarações a fim de tentar incriminar a quem tanto já prejudicou (directa ou indirectamente) não se coibindo de fazê-lo perante um outro juiz seu Colega?

(…).

K) Em 23 de Janeiro de 2006 o A deu entrada no mesmo processo nº 9555/00.9TDLSB o requerimento, junto como fls 78 e 79, dos autos que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e onde pede, “ao juiz do processo que aprecie as declarações do participante em conjugação com as anteriores”;

L) Da Acta de julgamento (fls 1085-1086), que se encontra incompleta e junta a fls 125 e 126, destes autos, a Mª Juiz proferiu o seguinte despacho: No decurso das suas declarações, pelo arguido A........ foi dito pretender imputar ao denunciante J........ ........ a prática de um crime de falsas declarações reportado ao depoimento por este prestado na anterior sessão de julgamento, bem como de um crime de homicídio do seu progenitor;

M) Por sentença datada de 26 de Abril de 2006 foi o A condenado no processo nº 9555/00.9TDLSB, na pena única de 220 dias de multa à taxa diária de 3UCs, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artº 365º nºs 1 e 2 e pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelo artºs 180º e 184º, todos do CP, conforme sentença junta como fls 87 a 124, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais e onde consta nomeadamente:

(…).

1.3. Motivação (…).

Principiando, justamente, pela prova documental carreada para os autos, far-se-á obviamente notar a particular relevância assumida, do ponto de vista do estabelecimento do conteúdo e autoria em presença, pelo teor da certidão extraída do processo tutelar titulado pelo Sr. Juiz denunciante e em que interveio o arguido, exercendo patrocínio em causa própria (…). A par de tal certidão, assumiu ainda decisivo relevo o teor da participação dirigida pelo arguido ao Conselho Superior da Magistratura, respostas apresentadas pelo juiz visado e decisão final proferida (…) bem como o teor da exposição dirigida ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (…).

….. ….

2.1-1 do crime de denúncia caluniosa (…).

Em requerimento dirigido ao Conselho Superior da Magistratura que, deu entrada naquele órgão a 10/05/2000, o arguido requereu a instauração de processo disciplinar contra o juiz denunciante, aí tendo inserido as seguintes afirmações.

Esta atitude ilegal e imoral, do Sr. Dr. Juiz não é, infelizmente, caso esporádico nos referidos autos, já que logo na “conferência de pais” cometeram-se várias ilegalidades conforme consta dos autos v. g. dos recursos interpostos, tudo o que se requeria, v. g. regime de visitas provisório, era indeferido, não se usou da urgência necessária (…).

Não se remete aos peritos médicos, conforme eles requisitam, todo o processo, mas apenas o que interessa à mãe/requerente, o que impede que os exames se realizem, pois tais peritos recusaram-se a tal, sem analisar ambas as vertentes dos autos, fazendo assim, estes de juízes em vez do verdadeiro titular.

Em suma toda a actividade do ora participado se tem consubstanciado, numa condenação “à priori” do ora participante, sem a mínima prova para tal, fazendo-se advogado de defesa da requerida, se não mesmo de “parte” em vez da função de “árbitro” que lhe compete. Com tal atitude tem prejudicado o menor, (…).

Por todo o exposto requer-se instauração de procedimento disciplinar contra o ora participado e, se possível, a sua exclusão dos autos, a fim de que se possa fazer séria e urgente justiça”.

(…).

Atento o teor das declarações produzidas pelo arguido e documentadas na acta de fls 1085-1086, determino a extracção de certidão de todo o processado e a respectiva remessa ao DIAP.

(…).

N) Na sentença ficou ainda consignado que “Atento o teor das declarações produzidas pelo arguido e documentadas na acta de fls 1085-1086, determino a extracção de certidão de todo o processado e a respectiva remessa ao DIAP” (fls 375, dos autos);

O) Da sentença referida L) o A interpôs recurso e, ao abrigo do disposto no artº 413º nºs 1 e 2 do CPP o MP apresentou resposta, junto a fls 128 a 136, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

P) Em 15 de Dezembro de 2008 o TRL anulou a audiência de julgamento e a respectiva sentença realizada no âmbito do processo nº 9555/00.9TDLSB (recº nº 7167/06) e determinou que os autos fossem remetidos ao tribunal de 1ª instância para novo julgamento (fls 378 a 421, dos autos);

Q) Em 29 de Outubro de 2009 o Tribunal de 1ª instância, após a realização de nova audiência de julgamento, proferiu sentença de extinção do procedimento criminal pelo crime de difamação agravado p. e p. pelo artº 180º nº 1 e 184º, do CP e condenou o ora A pelo crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artº 365º nº 1 do CP (fls 423 a 439, dos autos);

R) Desta sentença o A intentou recurso para o TRL que, por acórdão de 24 de Março de 2010 julgou improcedente o recurso (fls 480 a 499, dos autos);

S) Por acórdão de 15 de Dezembro de 2009 o TRL condenou o Estado Português numa indemnização a pagar ao A de €5.000,00 por danos não patrimoniais, por anormal funcionamento da justiça em sede do processo que correu termos no Tribunal de Família e Menores (fls 440 a 477, dos autos);

T) Com data de carimbo de 11 de Fevereiro de 2010 o A deu entrada no processo nº 9555/00.9TDLSB, do requerimento que consta ora junto a fls 137 e 138, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais e onde consta, dirigido à Procuradora Adjunta, nomeadamente:

(…).

1 - Por requerimento de 09/02/2001, entregue no DIAP em sede de inquérito dos presentes autos, participou-se do ofendido Dr. J........ por eventual violação do artº 195º do CP.

2 - No despacho de acusação a fls 375 foi desentranhado tal requerimento e enviado ao TRL.

3 - Passados os anos, não se lembrou mais o ora requerente do caso, a não ser agora pelas supra referidas contra-alegações de Vª Exª em que, segundo parece tal crime não se verificou.

4 - Ora, muito nos espanta tal afirmação, pois a questão teria que ser decidida pelo TRL e não por Vª Exª e ao que saibamos de nada fomos ainda notificados, tal como é de lei, mesmo em caso de arquivamento (artº 277º nº 3 do CPP).

5 - Assim sendo, requer-se a V. Exª informação do paradeiro do processo, não só para poderem-se exercer os direitos/deveres que nos assistem como participantes, mas também porque a solução de tal questão (saber se à violação do artº 195º do CP) tem repercussões nos presentes autos, como é óbvio.

6 - Aproveita-se, já agora, para requerer também informação sobre o paradeiro do processo e em que fase está, a que deu inicio a certidão mandada extrair pelo Sr. Dr. Juiz de Direito na parte final da sua sentença de 26/04/2006 (…) e, reportadas às participações constantes dos requerimentos de 28/01/05, 01/02/05 e 23/01/06.

Tal também tem importância, não só pelas razões referidas em 5 supra, como também porquê o ofendido/participante voltou a reincidir ou melhor, continuou a prestar falsas declarações na última audiência destes autos no seguimento das participadas.

(…).

U) Com data de 1 de Junho de 2010 o A requereu junto do PGR que ordenasse a prestação de informação referida em O) (fls 139 e 140, dos autos);

V) Por ofício datado de 17 de Agosto de 2010 a Assessora do Chefe de Gabinete da Procuradoria Geral da República, informou que os autos se encontram no Tribunal da Relação de Lisboa onde poderiam ser consultados e averiguado do despacho que recaiu sobre as participações (fls 141, dos autos);

W) Com data de entrada de 20 de Setembro de 2010 o A requereu ao Secretário Judicial do TRL a consulta dos processos (fls 142, dos autos);

X) Com data de 7 de Fevereiro de 2011 o A insistiu na resposta junto do Secretário Judicial do TRL (fls 149, dos autos);

Y) Com data de 10 de Agosto de 2011 a Procuradoria Geral Distrital informou que “não foi encontrado registo de inquérito em que seja interveniente como queixoso/denunciante e denunciado J........ Lopes e que consultado o processo com o NUIPC 9555/00.9TDLSB se verificou não ter sido no mesmo requerida nem ordenada a extracção de qualquer certidão para o efeito” (fls 160, dos autos);

Z) Por ofício datado de 17 de Novembro de 2011 o A foi notificado para pagar a multa de 400,00€ e custas de €6.690,00 a que fora condenado no processo nº 9555/00.9TDLSB, (fls 161 a 164, dos autos);

AA) A acção deu entrada a 12 de Setembro de 2011 (fls 2, dos autos);

BB) Foram cobrados ao A as despesas em taxas de justiça constantes de fls 166 a 188, dos autos, que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;

CC) O A encontrava-se em stress e a ser medicamente assistido.”.


*

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito quanto à questão da procedência da exceção perentória de prescrição do direito à indemnização, pela aplicação conjugada dos artigos 306.º, n.º 1, 323.º e 498.º, n.º 1, do CC e artigo 277.º do CPP

Vem o Recorrente interpor recurso da sentença que julgou procedente a exceção perentória de prescrição do direito, com a consequente absolvição do Réu do pedido, contra ela dirigindo o erro de julgamento de direito.

Perante a configuração dada à ação, não existem dúvidas que foi instaurada ação emergente de responsabilidade civil extracontratual do Réu, com vista ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos pelo Autor, em consequência do mau funcionamento do serviço de justiça, sendo aplicável o regime do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Pessoas Coletivas Públicas (RRCEE), aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12.

Com relevo, estabelece o artigo 5.º do RRCEE:

Artigo 5.º

Prescrição

O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”.

Este preceito acolhe remissivamente a disciplina estabelecida no artigo 498.º do CC sobre a prescrição, preceito que na sistemática do Código Civil se encontra inserido no regime da “Responsabilidade civil por factos ilícitos”, previsto no artigo 483.º e segs. do CC.

Assim, decorre que o artigo 5.º do RRCEE não opera uma remissão genérica ou global para o regime da prescrição previsto no Código Civil, nos termos em que o instituto se encontra previsto e regulado no artigo 300.º e segs., por antes proceder a uma remissão para o regime da prescrição previsto no âmbito da regulação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.

O artigo 498.º, n.º 1 do CC estabelece o prazo de prescrição – 3 anos –, assim como o dies a quo relevante que marca o início da contagem do prazo, regulando, por isso, quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

Para efeito do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC releva como termo inicial a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.

No que respeita ao fundamento do recurso, sustenta o Recorrente contra a sentença recorrida que na sentença proferida em 26/04/2006 foi ordenada a extração de certidão e a sua remessa ao DIAP, porque antes, em audiência, foram feitas várias queixas/apresentações contra o então participante, por falsas declarações.

Alega que tal decisão de extração de certidão foi proferida no mesmo ato processual da sentença, mas foi posterior a esta, pois foi lavrada após a sentença.

Discorda o Recorrente do entendimento vertido na sentença ora recorrida que, pela circunstância daquela sentença ter sido revogada, o ter sido também a decisão de extração de certidão e o seu envio, pois o Acórdão do TRL de 15/12/2008 apenas anulou a audiência e, consequentemente, a sentença.

Por isso, entende que a decisão de extração da certidão e a sua remessa ao DIAP devia ter sido executada pela secretaria do tribunal e não o foi, além de que entre a sua prolação, em 26/04/2006 e o Acórdão do TRL de 15/12/2008, mediou mais do que o tempo necessário para o efeito.

Assim, não tinha a nova sentença de ordenar a nova emissão de certidão, pois aquela decisão não fora revogada.

Além de que, segundo o Recorrente, considerando as penas previstas para os crimes previstos e punidos nos artigos 359.º e 360.º do CP, a prescrição é de 5 anos, pelo que, com as regras de suspensão e interrupção, a decisão de emissão da certidão pela secretaria do tribunal ainda pode ser cumprida.

Sustenta que além de aquela decisão ainda poder ser cumprida, só teve conhecimento do seu não cumprimento em 10/08/2011 quando a Procuradoria Geral Distrital de Lisboa o informou, tendo a ação sido logo instaurada a seguir.

Assim, defende o Recorrente que só recentemente soube do direito que lhe compete, pois sempre pensou que os autos estavam pendentes.

Do mesmo modo quanto ao Inquérito n.º 3/2003 do STJ, por o Autor nunca ter recebido a notificação.

As participações feitas no Processo n.º 9555/00.9TDLSB deveriam ter conduzido à extração de certidão ordenada pelo julgador para se iniciarem novos inquéritos e se se verificasse terem existido falsas declarações da testemunha/ofendido no novo processo, tal implicaria a falência da acusação ou a revisão da condenação.

Daí defender que não tinha conhecimento do dano, nem tinha de ter, por presumir que os serviços judiciais cumprem a lei e dão andamento aos assuntos, como as certidões mandadas extrair por um juiz.

Seria uma incongruência que o prazo de prescrição começasse a correr antes mesmo de ter tomado conhecimento do facto ilícito.

Por isso, sustenta não se verificar a prescrição do direito.

Vejamos.

Tendo presente a alegação do Recorrente e o fundamento do recurso, verifica-se que o ora Recorrente vem delimitar o objeto do recurso, não impugnando a sentença recorrida em toda a sua extensão, mas somente na parte referente à deficiência dos serviços de justiça pela omissão de extração da certidão e sua remessa para efeitos de instauração de processo de inquérito criminal, nos termos ordenados na sentença proferida em 26/04/2006.

No demais, o Recorrente nada alega contra a sentença recorrida, pelo que, na parte não impugnada, a mesma transitou em julgado.

Além disso, o Recorrente não vem impugnar o julgamento da matéria de facto, conformando-se com a factualidade assente na decisão sob recurso.

Assim sendo, importa, antes de mais, analisar a matéria de facto que se extrai da sentença recorrida, com relevo para a questão suscitada no presente recurso.

Nos termos dos factos julgados provados na sentença sob recurso, extrai-se a seguinte factualidade:

(i) na sentença datada de 26/04/2006 foi determinada a extração de certidão de todo o processado e a respetiva remessa ao DIAP;

(ii) em 15/12/2008 o TRL anulou a audiência de julgamento e a respetiva sentença, determinando a remessa dos autos à 1.ª instância, para novo julgamento;

(iii) em 29/12/2009 o Tribunal de 1.ª instância, após realização de nova audiência, proferiu sentença de extinção do procedimento criminal pelo crime de difamação agravado e condenou o Autor pelo crime de denúncia caluniosa;

(iv) interporto recurso, por acórdão do TRL de 24/03/2010, a sentença antecedente foi mantida;

(v) em 11/02/2010 o Autor deu entrada de requerimento no Processo antecedente, dirigido aos Serviços do MP em que, de entre o mais, pede para ser informado sobre o paradeiro do processo e em que fase está, na sequência da certidão mandada extrair pelo juiz na parte final da sentença de 26/04/2006;

(vi) por não obter resposta, em 01/06/2010 o Autor requereu junto da PGR que ordenasse a prestação de informação;

(vii) em 10/08/2011 a PGR informou o seguinte “não foi encontrado registo de inquérito em que seja interveniente como queixoso/denunciante e denunciado J........ e que consultado o processo com o NUIPC 9555/00.9TDLSB se verificou não ter sido no mesmo requerida nem ordenada a extracção de qualquer certidão para o efeito”;

(viii) a presente ação foi instaurada em 12/09/2011.

Com base na factualidade apurada, decidiu-se na decisão sob recurso o seguinte:

Do que se entende no articulado inicial é entendimento do A que, porque não foi extraída a certidão que foi ordenada no processo nº 9555/00.9TDLSB, e enviada ao DIAP, para prossecução penal, ficou impedido de requerer a revisão da sentença que o condenou numa pena de multa bem como impediu o participado de ser condenado pelos danos que lhe causou e que seriam pedidos em cede de pedido de indemnização cível no âmbito do processo civil ou no processo-crime.

Do teor da petição inicial não é possível descortinar quais as participações a que o A se refere ao certo, pelo que e atendendo a que as mesmas terão todas dado entrada no processo-crime nº 9555/00,9TDLSB e ao facto de no requerimento, levado ao probatório no ponto T) onde o A pede informações sobre as participações entradas no processo e constantes dos requerimentos datados de 28/01/2005 (constante do ponto H) da matéria de facto provada), 01/02/2005 (constante da matéria de facto provada no ponto J) e 23/01/2006 (constante da matéria de facto provada no ponto K) e fazendo alusão à violação de segredo, temos de concluir que serão todas as participações que fez.

(…)

Desde logo verifica-se que e, no que respeita à queixa apresentada enquanto o processo-crime esteve em investigação (em inquérito) no despacho de encerramento de 19 de Dezembro de 2002 (facto levado ao probatório em D), foi emitida uma certidão que foi enviada para o STJ que instaurou o inqº nº 3/ 2003, onde foi apreciado a imputação a J........ do crime de violação de segredo e cujo desfecho de 2 de Maio de 2003 foi no sentido do arquivamento.

E, quanto a esta certidão não temos dúvidas nenhumas que a prescrição já se verificou há muito atendendo que deste despacho foi o A notificado 6 de Maio de 2003. Aliás como já se referiu em sede de despacho saneador.

É de concluir que quanto á denúncia efectuada por meio do requerimento datado de 2 de Fevereiro de 2001, onde é imputado ao Sr. Juiz J........, ocorreu efectivamente a prescrição, considerando que a acção deu entrada a 12 de Setembro de 2011, o prazo de 3 anos há muito tinha sido ultrapassado.

Apreciando os demais requerimentos.

Atendendo ao teor do requerimento de 28 de Janeiro de 2005, constante da acta da mesma dada, não constitui em si mesma uma participação/queixa, pois aí é pedido apenas a junção de documentos e requerida a suspensão do processo-crime. Do teor desse requerimento verifica-se que não há qualquer referência de imputação de qualquer ilícito criminal.

Esse requerimento sofreu despacho da M. juiz do processo no mesmo acto, tal como consta de fls 278, destes autos. E, mesmo que se considerasse tratar-se de uma participação/queixa-crime o A foi notificado no mesmo dia do seu teor tal como consta do ponto i) do probatório e, dele não consta qualquer emissão de certidão.

E, atendendo à data em que o despacho da Srª juiz foi proferido e a data da entrada desta acção sempre estaria prescrito o direito do autor, a uma eventual indemnização, uma vez que soube nesse acto de 28 de Janeiro de 2005 o desfecho desse requerimento.

No que respeita às queixas/participações de 01/02/2005 (constante da matéria de facto provada no ponto J) e 23/01/2006 (constante da matéria de facto provada no ponto K), foi efectivamente na sentença datada de 26 de Abril de 2006, ordenada a emissão de certidão e a sua remessa ao DIAP.

Porém dos factos provados verifica-se que foi anulada a audiência de julgamento bem como a sentença aí proferida por acórdão do TRL de 15 de Dezembro de 2008. Assim, anulada a audiência de julgamento e, em consequência a sentença, foi também atingido o comando que ordenava a emissão de certidão e a sua entrega ao DIAP.

O acórdão foi decerto notificado ao A e aí teve necessariamente conhecimento de que a certidão não poderia ser emitida com base numa sentença anulada.

Na sequência dessa anulação foi realizado novo julgamento, conforme consta de fls 422, destes autos, onde é apreciado pelo Sr. Juiz a questão levantada pelo ora A, quanto à a violação de segredo (fls 424) e onde se constata que não foi ordenada a emissão de certidão, como se verifica da sentença junta a fls 422 a 439, destes autos.

A sentença foi proferida a 29 de Outubro de 2009 (fls 439, dos autos).

Em relação às participações datadas de 01/02/2005 e de 23/01/2006 ocorreu, ou não a prescrição do direito a ser indemnizado por não ter sido dado andamento às mesmas?

Podemos, considerar que só a partir de 29 de Outubro de 2009 é que o A teve conhecimento de que não houve qualquer encaminhamento das duas participações nomeadamente com a extracção de certidão, como constava da sentença de 2006?

Como se referiu o prazo da prescrição começa a contar a partir do momento em que o direito pode ser exercido (artº 306º nº1 CC), sendo que, no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização, presume o legislador que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos (artº 498º nº1 do CC).

Isto é, o termo a quo da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização baseada em responsabilidade civil por factos ilícitos reside no conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, ou seja, no seu conhecimento de que tem um direito a ser indemnizado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos. Não colhendo a invocação (inovatória), por parte do A que no caso o prazo de prescrição é de 20 anos.

Ainda, ao referir que o conhecimento do direito de indemnização pelo lesado, para relevar, é independente da identificação da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, o legislador impede que o termo inicial do prazo de prescrição, embora ligado ao conhecimento do lesado concreto, fique acorrentado à sua eventual incúria quanto à obtenção daquela identificação, ou à ocorrência de danos sucessivos ou duradouros (…).

A verdade é que o A teve conhecimento do direito que lhe assistia desde sempre e, tanto é assim que utilizou esse argumento em todas as suas alegações de recurso, nomeadamente a violação de segredo que já fora apreciada pelo STJ ainda em 2003.

Os argumentos de que fora violado o segredo, p. e p. pelo artº 193º do CP e prestação de falsas declarações, p. e p. pelo artº 195º do CP, terão sido usados pelo A nomeadamente nas alegações de recurso da 1ª sentença da 1ª instância e só assim tem sentido a resposta do Ministério Público ao Recurso interposto que escreve o seguinte: (…)

E só assim se entende o reparo do A quando refere no artº 12º da sua petição “qual o espanto quando nas contra alegações de recurso para o TRL de 12/01/2010, vem o MR afirmar que o crime previsto no artº 195º do CP não se verificou (não se pronunciando sobre os demais) quando tal não era da sua competência, mas do TRL”. Ora tal só acontece porque o arguido nas suas alegações de recurso, ao imputar as nulidades à sentença assim o referiu e o MP deduziu a resposta em conformidade.

Sendo certo também que o A foi notificado das contra alegações do MP, logo o A teve conhecimento desta posição e ao considerar que havia uma pronúncia indevida nem sequer se manifestou.

Também o tribunal de 1ª instância mandou emitir a certidão e a sua entrega ao DIAP, quando, atento a qualidade de Desembargador do denunciado seria o seu envio para o TRL e não para o DIAP.

Ora, consta da matéria de factos provada e é alegado pelo A que, com tais queixas/participações pretendia uma revisão da sua sentença de condenação no processo nº 955/00.9TDLSB, sendo, por isso de todo incoerente que se delas se tenha lembrado.

Por fim as testemunhas ouvidas em audiência e julgamento não foram peremptórias em considerar que o A não conhecesse ou devesse conhecer o destino que as queixas/participações tiveram não produzindo testemunhos elucidativos ou sequer credíveis, por forma a alterar a convicção do tribunal de que o A teve conhecimento do seu direito há mais de três anos.

Atendendo às datas constantes das queixas/participações de 01/02/2005 e de 23/01/2006, quando a acção deu entrada a 12-09-2011 já havia prescrito o direito à indemnização.

Deve, assim, se ter como prescrito o direito do Autor pedir a indemnização, ficando por conhecer se se verificam os pressupostos do direito à indemnização peticionada nestes autos.”.

Este julgamento afigura-se correto, pelo que, é de manter.

Efetivamente encontra-se demonstrado que não foi dado cumprimento ao ordenado na parte final da sentença, de ser extraída certidão de todo o processado e a respetiva remessa ao DIAP.

No entanto, extrai-se da matéria factual provada nos autos que tal decisão de ser extraída certidão foi proferida “Atento o teor das declarações produzidas pelo arguido e documentadas na acta de fls. 1085-1086”, ou seja, considerando o que o arguido afirmara durante a audiência de julgamento, como de resto, o próprio Recorrente admite.

Acresce que não só a sentença em que foi proferida tal decisão foi revogada por acórdão do TRL, como a própria audiência de julgamento foi anulada, ordenando-se a baixa dos autos para novo julgamento, conforme consta da alínea P) da matéria de facto assente.

Ao anular-se a audiência de julgamento e a respetiva sentença proferida nesse processo, foram anulados todos os atos processuais a partir daquele primitivo momento, sendo inutilizados todos os atos processuais praticados.

Tal acarreta que tudo quanto se tenha passado na audiência de julgamento foi dado sem efeito, incluindo as declarações do arguido prestadas nessa ocasião.

Além de que a própria sentença foi revogada, sendo eliminada da ordem jurídica, não produzindo quaisquer efeitos.

O que implica que a decisão de emissão de certidão e a sua remessa, proferida com base nas declarações produzidas pelo arguido na audiência de julgamento e documentadas em ata, tenham perdido a sua relevância, porque quer a audiência em que as declarações do arguido foram prestadas, quer a sentença que ordena a extração de certidão e a sua remessa ao DIAP, com base nessas declarações prestadas em audiência, deixaram de existir no plano do direito, não produzindo quaisquer efeitos, por acórdão proferido por um tribunal superior.

Assim, verifica-se que, ao ser anulada não apenas a sentença, mas a própria audiência de julgamento, foram eliminados todos os respetivos atos processuais, os quais desaparecem, para todos os efeitos, do ordenamento jurídico.

Por outro lado, anulada a audiência e revogada a sentença, e realizada nova audiência de julgamento, não estava o arguido, ora Autor e Recorrente, impedido de voltar a produzir as mesmas afirmações perante o juiz, nem impedido de requerer ao tribunal que fosse extraída certidão para efeitos de instauração de processo de inquérito.

Só desse modo seria possível atribuir relevância jurídica às declarações prestadas pelo arguido em audiência, pois que a anterior audiência fora anulada.

Acresce que, tendo o Autor, ora Recorrente, outro entendimento acerca da relevância jurídica das declarações que prestou no primitivo julgamento, sempre poderia ter adotado outra conduta logo após a interposição de recurso que interpôs da sentença proferida em 26/04/2006, quer para indagar do cumprimento da extração da certidão e do andamento do respetivo processo de inquérito, quer para apresentar participação criminal autónoma pelos factos em causa.

O que se verifica, por se encontrar plenamente demonstrado, é que tendo sido interposto recurso contra a sentença que ordenara a extração de certidão pelo ora Recorrente, o mesmo é perfeitamente conhecedor, não só que essa decisão não transitou em julgado, como que essa decisão foi revogada, tendo também sido anulada a própria audiência em que o arguido prestou as afirmações que deram lugar à decisão de extração da certidão.

Tem o Autor, por isso, pleno conhecimento de que por acórdão do TRL foi anulado todo o processado desde a fase de audiência de julgamento, o que não pode deixar de ter consequências quanto ao cumprimento da decisão de extrair certidão de todo o processado e sua remessa para o DIAP.

Sabendo de todo este circunstancialismo o Autor ainda veio indagar anos depois, em 11/02/2010, sobre o cumprimento de uma decisão que havia sido revogada.

E tendo sido informado em 10/08/2011, veio instaurar a ação em 12/09/2011, decorridos vários anos desde que proferiu as declarações na audiência que foi anulada e desde que interpôs recurso da sentença proferida em 26/04/2006, que veio a ser revogada, impedindo o seu respetivo trânsito em julgado.

Desde sempre o Autor teve conhecimento de que na sentença proferida em 26/04/2006 fora ordenada a extração de certidão de todo o processado com base nas suas declarações prestadas durante a audiência e a sua remessa para o DIAP, do mesmo modo que sabe da anulação dos atos processuais, além de que, sempre pôde oportunamente se inteirar sobre o andamento dos processos nas respetivas secretarias judiciais e, sendo caso disso, reagir prontamente pela inércia ou delonga processual.

Além de que, a conceder-se que só em 2011 o Autor teve conhecimento do direito, ao ser informado que não foi encontrado registo de inquérito, nem a extração de certidão, implicaria reconhecer que caberia ao Autor escolher o momento em que tem conhecimento do direito, o que não se concebe.

O Autor conhecendo a decisão que ordena a extração da certidão e a sua remessa para o DIAP, pôde desde logo inteirar-se sobre o cumprimento do ordenado, assim como a instauração do processo de inquérito, pelo que, há muito podia ter verificado a sua não instauração.

Neste sentido, para além da revogação da sentença em que se determinou a extração da certidão e a sua remessa ao DIAP, assim como a anulação da própria audiência de julgamento em que o arguido prestou declarações e que levaram o juiz a decidir por essa extração de certidão, levando a que tenham desaparecido os pressupostos em que o juiz proferiu a decisão de extração da certidão, deixando a mesma de poder ser executada, também se verifica que o Autor desde sempre teve conhecimento de que aquela certidão fora mandada emitir, podendo há muito inteirar-se sobre o andamento do processo e querendo, reagir, por todos os meios que entendesse, sobre essa alegada omissão.

O que decorre da alegação recursiva do ora Recorrente é que, se por um lado, beneficia dos efeitos decorrentes da interposição do recurso e dos efeitos do acórdão do TRL que procedeu à anulação da audiência e do consequente julgamento constante da sentença que o condenou pela prática de dois crimes, por outro lado, pretende beneficiar da sentença revogada e dos atos processuais praticados na audiência de julgamento que a precedeu que forma anulados, para o efeito de imputar uma deficiência ao sistema de justiça e ser indemnizado por esse facto.

Não podem existir dúvidas de que a decisão de extração de certidão está diretamente relacionada com os factos ocorridos na audiência de julgamento que foi anulada, conforme decorre do teor da própria decisão proferida, pelo que, revogada a sentença e anulada a audiência de julgamento em que foram proferidas as declarações do arguido, anulada fica a decisão de extração da certidão.

Por conseguinte, não incorre a sentença recorrida no erro de julgamento de direito que vem invocado, procedendo a uma correta valoração dos factos e a um correto julgamento de direito, mediante aplicação do disposto no artigo 498.º, n.º 1 do CC.

Nestes termos, será de negar provimento ao recurso, por não provado e em manter a decisão recorrida.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público prescreve nos termos do artigo 498.º do CC.

II. O artigo 5.º do RRCEE, aprovado em anexo à Lei n.º 67/2007, de 31/12, acolhe remissivamente a disciplina estabelecida no artigo 498.º do CC sobre a prescrição, preceito que na sistemática do Código Civil se encontra inserido no regime da “Responsabilidade civil por factos ilícitos”, previsto no artigo 483.º e segs. do CC.

III. O artigo 498.º, n.º 1 do CC estabelece o prazo de prescrição – 3 anos –, assim como o dies a quo relevante que marca o início da contagem do prazo, regulando, por isso, quer o prazo, quer o termo inicial da contagem do prazo de prescrição.

IV. Tendo sido proferida sentença em que no seu final se determinou a extração de certidão de todo o processado e a sua remessa ao DIAP com base nas declarações prestadas em audiência pelo arguido, mas tendo tal sentença sido revogada e anulada a audiência pelo TRL, foram anulados todos os atos processuais a partir daquele primitivo momento.

V. Tal acarreta que tudo quanto se tenha passado na audiência de julgamento foi dado sem efeito, incluindo as declarações do arguido prestadas nessa ocasião.

VI. O que implica que a decisão de extração de certidão e a sua remessa, proferida com base nas declarações produzidas pelo arguido na audiência, tenham perdido a sua relevância, porque quer a audiência em que as declarações do arguido foram prestadas, quer a sentença que ordena a extração de certidão e a sua remessa ao DIAP, deixaram de existir no plano do direito, não produzindo quaisquer efeitos.

VII. Desde sempre o Autor teve conhecimento de que na sentença proferida fora ordenada a extração de certidão de todo o processado com base nas suas declarações prestadas durante a audiência, do mesmo modo que sabe da anulação dos atos processuais, além de que, sempre pôde oportunamente se inteirar sobre o andamento dos processos nas respetivas secretarias judiciais e, sendo caso disso, reagir prontamente pela inércia ou delonga processual.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário.

Registe e Notifique.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores, Pedro Marques e Alda Nunes.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)